Poeta: sujeito que costuma comparecer aos próprios desencontros.

Manoel de Barros


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O homem e as borboletas 2

Ele ligou e disse coisas bonitas. Ela acreditou. Decidiu pousar. Depois do beijo, do carinho; depois do sexo e de mais palavras bonitas, borboleta no pote de vidro pra compor a coleção. Mas bicho preso perde a cor e a graça. E não sabia amar borboleta sem cor. Tornou-se indisponível. Ela o procurou algumas vezes ainda; então, desistiu. Que pena. Não soube enxergá-la. Tinha cor e asas, viu apenas uma borboleta de coleção. Indisponível, continuou cercado por borboletas coloridas, mas um dos seus potes de vidro guarda hoje um pássaro morto. 


*

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Desencontro



Um dia, ele cansou de olhar pro céu em busca de resposta. 
Um dia, ela cansou de esperar que ele a olhasse.
Entre a não-resposta e o não-olhar, ela partiu.
E quando ele enfim, lembrou de olhar pro lado,
Já não havia mais ninguém ali.



domingo, 21 de agosto de 2011

A vida como ela é



Nem cor-de-rosa, nem cor-de-nada.
É como é.
Da cor das nossas escolhas.


. . .


Sabiam-se iguais.
Mas escolheram ser diferentes.
Olhar o outro e reconhecer a si mesmo era difícil demais.
Desistiram-se.
E a vida seguiu em frente.

. . .

Nem boa, nem má.
É a vida.
Do jeito que a inventamos
E reinventamos
Todos os dias.




quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O pássaro que desaprendeu

O pássaro que desaprendeu
Encerra-se em sua gaiola
Vê a porta aberta,
e não voa.


domingo, 14 de agosto de 2011

O não-lugar

O não-lugar é uma expulsão. É um convite para sair de cena. E dói recebê-lo. Dói tanto quanto a dor de um parto, a expulsão da barriga da mãe para o mergulho num mundo desconhecido e hostil, onde agora, somos nós que fazemos nossa própria história. Nós e mais ninguém. Não sei se o bebê chora de dor de abrir o peito quando nasce, ou de medo de encarar o mundo como ele é. Pois fazer sua história com as próprias mãos, e sozinho, dói. Sair da barriga dói. Assinar a autoria de sua existência é nascer para um mundo onde já não cabe mais culpar a vida e o destino. Isso assusta. O conforto da barriga da mãe, tal qual o esconderijo seguro dos momentos de carinho, é tão melhor do que o mundo lá fora... Não dá vontade de sair. Mesmo sabendo que uma hora precisa acabar, sempre queremos que essa hora demore um pouco mais. Mas algo acontece em volta; o útero contrai, a realidade da vida mostra os dentes, chamando-nos  à razão, e aquele lugar tão seguro, tão bom e tão seu, deixa de existir pra você. Ou melhor, não deixa de existir em si, mas lhe chega a notícia de que ele não é mais seu. Torna-se um não-lugar em sua vida. Torna-se o lugar do não. Não pertence mais a você. E se por algum momento você construiu seu eu baseado nisso, o não-lugar lhe transforma num não-eu. O chão desaparece e o que sobra é vazio. Cabe somente a você juntar seus cacos e se reconstruir em silêncio. É como olhar para o espelho mágico e perguntar: Existe alguém mais bela do que eu? E ouvir como resposta que o lugar da beleza não pode mais ser ocupado por você. Seja lá quem for a mais bela, não é você. E essa ausência é uma presença de solidão doída. A solidão de sair de cena mesmo sem querer sair. A solidão da madrasta quando se deu conta que não era mais bela aos olhos do espelho. A solidão de não ser a princesa do conto de fadas. No fundo sempre buscamos o olhar do outro como um espelho que diz: Tu és a mais bela! E ser convidada a sair desse lugar, corta o sonho no meio, é o espelho desistindo de te olhar. E o não-olhar dói. Mesmo sabendo que uma hora a música precisa parar de tocar para que a dança inevitavelmente acabe. Mas receber da vida um não quando pra você a música ainda toca, parar de dançar por medo das consequências da própria dança, dói. Dói porque a dança para, mas a música ainda continua a tocar por algum tempo. Dói porque o conforto lhe expulsou e disse que ali não era mais lugar pra você. E fora da barriga, o mundo é frio e nem sempre você se sentirá belo e desejado. Dói e doerá por tanto tempo quanto a música ainda tocar, lembrando que você costumava dança-la, e que nesses momentos você era imensamente feliz. Dói e doerá tanto tempo quanto você olhar no espelho e saber que não lhe cabe mais perguntar: Espelho, espelho meu... Dói menos a despedida. Dói menos ir embora. Dói menos estar sozinho. Da dor do não-lugar, no fundo o que mais dói, é o não-olhar.


*

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Menino que cresce


Acorda menino pra viver o dia.
A vida chama em suas realidades
Mas não diz o preço de estar crescido.
Deita na cama o que restou do homem.  
E suas angústias invadem a noite.
Menino que cresce não consegue dormir.

.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A saga do corredor



Dizia que corria o mundo atrás de ser feliz. Mas a felicidade lhe era insuportável demais em sua intensidade. Então corria mais. Para não se demorar; nem em si, nem nos outros. E antes mesmo de se tornar importante na vida de alguém, antes de querer ficar, se despedia e voltava a correr...  


*