Poeta: sujeito que costuma comparecer aos próprios desencontros.

Manoel de Barros


sexta-feira, 14 de maio de 2010

A dança das chuvas...


(aos moradores do bairro Santa Maria - Aracaju)

Danças são danças... nem boas, nem más.
São pedaços de movimento soltos pelo espaço...
Danças são danças, mesmo pequenas, miúdas...
Mesmo imperceptíveis aos olhos do outro.
Mostrando-se imóveis a olho nu.
Danças dançam, mesmo quando não aparecem.

O bairro Santa Maria sequer aparece nos mapas. E a dança de seu cotidiano, invisível e diária, continua... Pé ante pé... debaixo do sol, que enfim voltou, na recontrução do que as chuvas destruíram em sua dança voraz.

No último mês trabalhei intensamente, muito intensamente no suporte aos desabrigados pelas chuvas que  assolaram Aracaju. São barracos, roupas, móveis, vidas inteiras debaixo d'água ou rolando morro abaixo. É água, é lama, é gente sem ter para onde ir. São centenas de famílias com os olhos espantados carregando nos ombros o que sobrou.  Correndo antes que o restante do morro desabe sob suas cabeças e corpos cansados de vida. Pessoas que levam apenas a roupa do corpo e muita fome na barriga, espremidas em abrigos coletivos à espera do sol. Pois em muitos momentos, era tudo o que se podia pedir. Sol. 

O limiar entre  a Psicologia e qualquer outra área humana era tão tênue quanto a diferença sutil entre a dor da fome ou da perda. É tudo dor, diziam... E era. As diversas situações onde já não havia mais nada o que fazer como Psicóloga se multiplicavam a todo instante. Mas a obrigação de fazer alguma coisa enquanto ser humano era evidente em todo momento. De Pessoa para Pessoa. De mão para mão. E de mãos dadas, à espera de um olho de sol. 

Daí a falta de comunicação, daí a demora para atualização do blog. Compreendam. A chuva caiu para todos. Mas essa dança, apenas alguns tiveram que dançar. 

Dançam as águas na Dança das Chuvas de Aracaju...
Nas grandes perdas, nos mínimos ganhos.
Dança o sol pra secar tudo
antes das próximas chuvas voltarem a cair.

Até perguntei à chuva:
Chuva, você é má?
Ela sorriu e respondeu:
Criança, eu sou chuva.
E chuvas precisam chover...

Bianca Becker Lepikson










Cai água, cai barraco...


Desenterra todo mundo...


Cai água, cai montanha...




E enterra quem morreu...






É sempre assim todo verão...




O tempo fecha, inunda tudo...


É sempre assim todo verão...


Um dia acaba o mundo todo...


Derruba o muro, o prédio podre, a casa velha...




Empurra a velha, pega a bolsa e sai batido...


(Música: Cai água, cai barraco. - Biquini Cavadão)