Poeta: sujeito que costuma comparecer aos próprios desencontros.

Manoel de Barros


quinta-feira, 15 de maio de 2014

Cheguei em casa depois de um dia difícil


Cheguei em casa depois de um dia difícil.

Gabi: Mãe, por que as Barbies estão sempre sorrindo?
Aninha: Mãe, o que é uma coisa comunista?

Cheguei difícil um dia depois de casa.

Em casa
Difícil
Um dia
Cheguei
Depois.


.

sábado, 11 de maio de 2013

Pequena história de uma casa sem espelhos


Era apenas uma questão de olhar no espelho por cinco minutos. Não há discurso que se sustente à sua imagem refletida. Era apenas uma questão de enfrentar o que se tornou. Mas nesse mundo do sem-tempo, deu um jeito à situação. Hoje anda livre e orgulhoso numa casa sem espelhos. Nenhuma imagem. Nenhuma cobrança.  Há tempos não se vê. Há tempos não se lembra. Evita sentir saudade, e segue cego discursivo.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Canção do último dia



Viver cada dia como se fosse o último.
Olhar cada outro como se fosse irmão. 
Entre o último dia e o primeiro irmão,
Sua chance de começar de novo
E fazer valer a pena.
 



domingo, 16 de dezembro de 2012

No lado de dentro do circo


Alegria! Alegria!
Corria o palhaço por entre sorrisos.
Em luz, cambalhotas, tropeços precisos.
Alegria!

Repetia consigo no canto do circo
Palhaço sem voz, plateia vazia
Alegria...

Sem sonho e sem maquiagem
Alegria pesava a imagem
Enquanto a lágrima corria.
Alegria...

Repetia sozinho o sujeito
E quase se convecia.
No lado de dentro do circo
Palhaço tristeza é quase alegria.

.



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O primeiro vôo da águia




Águia em corpo de borboleta.
Morre o corpo. Aos poucos.
Pra consertar sonhos quebrados.
E acordar asas dormidas. 

E morrer aos poucos dói.
Como dói nascer pra si.
Como dói enfrentar o céu.
Como dói enterrar seus mortos
Seus medos, seus credos
E reaprender a voar.

*

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Conto de um silêncio


Era uma vez uma boca
Mais rápida que o pensamento.
Ouvido surdo. Palavra vomitada.
Era uma vez o dia seguinte.
Faz-de-conta de amnésia
Cabeça no travesseiro
Pesada.
...
Era uma vez uma solidão
Lembrança viva
Boca Fechada
Silêncio.

*

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A velha da montanha


Só se envelhece com amigos, minha filha...
Se seu amor envelhecer ao seu lado 
é porque se tornou seu amigo.
Caso contrário, vai embora sem olhar pra trás.
Se o que me pede é eternidade,
Volte para sua terra e procure seus amigos.
Só eles estarão ao seu lado quando nada mais lhe restar.

Desceu a montanha pensativa e só.
Amores, tinha vários...





Sobre dores e deuses


Se Deus existe? Claro que existe! Basta um filho doente para se convocar todos os deuses, anjos, santos e orixás implorando para estar no lugar dele. Não há ateísmo que se sustente a um filho doente, já dizia Rubem Alves. Dor em filho da gente, essa é a pior dor se pode sentir.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sobre pessoas, coisas e vazios



Quando alguém se torna desnecessário na sua vida, talvez seja hora de se perguntar em que momento essa pessoa se transformou em coisa pra você. Coisas são necessárias ou desnecessárias. Coisas têm valor de utilidade. E podem ser medidas pela quantidade de tempo que temos para dedicar-lhes atenção. Pessoas não. Pessoas são passos e presenças que se encontram pelo caminho. Mas passos, caminhos, presenças e encontros não são úteis nem necessários. São seus próprios cacos refletidos em outros olhares. São espelhos da sua presença dentro de outras histórias. E uma história é tão vazia quanto o número de presenças que viraram coisa em seu olhar e em sua experiência. 



domingo, 27 de maio de 2012

A resposta


Eram muitos reunidos, olhando o céu em busca de resposta. Mas a resposta morava nos pés, no cheiro de chão, nas coisas pequenas e nos pingos de chuva. Jamais foi encontrada.


terça-feira, 22 de maio de 2012

Linha e Agulha


Sentir saudade imensa de quem já nem lembra de você não é burrice, não é doença, não é baixa autoestima. É morte cinza e sem graça. A sua morte enquanto pessoa. Por esperar a volta de um afeto que nunca existiu. Por amar mais alguém do que a você mesmo. Por se deixar morrer pela falta. Não é o outro que o desconsidera e o ignora. Não é o outro um mau caráter. Não foi o outro que o esqueceu. Foi você. Que ainda insiste em se colocar em segundo plano e esperar o que já não é. Que ainda insiste em fazer da saudade o álibi de sua dor. Pense além da sua espera. Pare de olhar seu próprio umbigo. Faça as pazes com o espelho e siga adiante. Porque o mundo não para pra lhe dar colo enquanto você chora de pena de si... A vida oferece, no máximo, linha e agulha. E cabe a você, somente a você, costurar suas próprias feridas.




segunda-feira, 21 de maio de 2012

The fugitive



To escape, he used to avoid his mirror, the others voice, and speak loud in another language. Changing yes by noes, to be understood by few or just by himself. But he published his speeches in outdoors. Then everybody that was passing by, could know there was a closed talk they weren't invited to. So public and so closed... Smart fugitive! It's really easier talk by outdoors when you are afraid of the answer of another look.


domingo, 20 de maio de 2012

Aos caminhantes




Aos que passaram pela minha vida, caminhantes - os mortos, os vivos, e os morto-vivos - obrigada. Pelo que trouxeram de longe. Por tudo de mim que ousaram levar consigo. Pelo que ficou. Aos que se fizeram presença, lembrança e ausência. A vida pulsa em movimento. De chegadas e partidas. Ficar pra sempre é uma mentira. Porque "para sempre" é flor morta de espera e repouso. A essência mora no caminho, pois que muda a cada paisagem nova. E o caminho só existe quando pés se fazem passos. Aos caminhantes, meu respeito, minha saudade e minha gratidão. 





sexta-feira, 18 de maio de 2012

Jogo de dados



Jogo dados com o infinito.
Nem ele ganha, nem eu.
O tempo parou o giro do mundo
No quando
No quanto
No quase.


sábado, 12 de maio de 2012

Quase



Seguiu andando com um espinho transparente enfiado no dedo.
Pequeno, quase não se via.
Quase não incomodava. 
Quase não doía. 
Quase...
Era só não tocar.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dia de Faxina




Era dia de faxina.
Pegou vassoura, balde e rodo,
Desinfetante, detergente e paciência.
Rasgou a pele do seu peito
E começou a varrer.
Era dia de faxina
Dentro.


quinta-feira, 26 de abril de 2012

12 anos



Será que ele vai na sua festa sábado? Sério? Ficou com quem? Ah, você tá brincando? Não... Desliga você primeiro... O que? Você disse o que? Já estudou pra prova? E eu me ferrei em Português. Não fui, estava de castigo ontem. Se minha mãe deixar, rola... Ai, não liga não! Ele não merece! Olha, preciso desligar, minha irmã está... essa m... de irmã! Mas olha, respondendo rapidinho a sua pergunta... Desliga que eu desligo... Não, desliga você primeiro... O que? Quer desligar, desliga. Estou lhe obrigando a ficar aqui é? Pode desligar. Não, não estou chateado. Amanhã na escola nem olhe na minha cara. Nada a ver, as vezes acordo meio mal. Já nem sei se tô mais afim de ir... Você vai? Claro, que vai, né? Então, achei que você ia desligar... Perdeu a coragem, foi? Sou o que? Repita isso, se tiver coragem! Não acredito que você... Me esquece no grupo de estudos. Ou pra ir no shopping com a galera. Na hora do trabalho em dupla, quero só ver... Vai fazer dupla com aquela chata, vai... E eu o que? Como você tem coragem? Aproveita e chama aquele seu amiguinho pra ensinar matemática pra você. Que ciúme? Se quiser, pode ir, nem ligo, você não faz a mínima falta e... o que? Alô? Alô? Não acredito... de novo não... de novo não... Será que um dia essa conversa vai crescer?...

(tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu.....)

...



segunda-feira, 23 de abril de 2012

Tão forte


A porta fechada na cara bateu forte na parede.
Tão forte, 
que calou a vizinhança 
e estremeceu a cidade de si.
Tão forte,
que quase derrubou a casa,
quase parou o tempo,
quase o convenceu.
Tão forte,
que bateu 
e voltou a abrir.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Da cegueira



Então era você, o tempo todo ali?
Engraçado... Apressado, nem percebi.
Confundi com a paisagem morta
Enquanto fechava minhas portas
Em quanto cuidava de mim.



*

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Confissão



Porque o seu silêncio me gritava tanto aos ouvidos, que não podia deixar de ouvir sua voz muda de mim.  Porque o meu silêncio tinha uma escuta perversa que ela ouvia. Porque me invadia. Porque sua distância era mais próxima do que a minha. Como uma sombra, pronta a se fazer presença no momento mais inesperado. Temia o susto. Sua investida, sua fala, suas ideias batidas. Temia sua transformação em realidade. Temia a realidade que trazia nos olhos, nos ombros, nas marcas do rosto. Temia sua força disfarçada de criança. O simples. Sua escrita. Sua dança. Temia-na inteira. Porque existia em si. Porque tocava o chão com pés descalços. Temia seu jeito tão seu de ser potência e realidade num só ato. Foi por isso doutor, foi só por isso que a matei e a guardei no profundo mais escuro surdo e mudo de dentro de mim.